Há jovens cristãos que perguntam: “A Bíblia fala que sexo antes do casamento é pecado?” Sim, claramente: “Porém, se este negócio for verdade, que a virgindade se não achou na moça, então, levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão com pedras, até que morra; pois fez loucura em Israel, prostituindo-se na casa de seu pai; assim, tirarás o mal do meio de ti” (Deuteronômio 22:20–21). Nós, que estamos na graça, não estamos mais sob a lei. Caíram a exigência na forma de lei e a punição. O que era exigido exteriormente pela lei, de fora para dentro da pessoa, é agora desejado interiormente pelo coração regenerado pelo Espírito Santo. A castidade é desejo de Deus e é cultivada de livre vontade por aqueles que têm a lei escrita em seus corações – “a lei perfeita [que é a] da liberdade” (Tiago 1:25).
A carta aos Hebreus exorta: “Honrado seja o casamento entre todos e o coito imaculado; porém os que se dão à prostituição e aos adúlteros, Deus os julgará” (13:4).[1] Sexo ao lado do casamento é fogo que queima e destrói (Pv 6:27-29). E sexo antes do casamento desonra a si mesmo e ao casamento; é abuso, palavra que vem do Latim e significa “uso errado”.
Veja-se também a palavra de Deus que veio ao profeta Ezequiel sobre as irmãs Aolá e Aolibá – “Samaria é Oolá, e Jerusalém é Oolibá” (23:4): “Estas se prostituíram no Egito; prostituíram-se na sua mocidade; ali foram apertados os seus peitos, e ali foram apalpados os seios da sua virgindade” (v. 3). Disse ainda o Senhor sobre Aolá: “…com ela se deitaram na sua mocidade, e eles apalparam os seios da sua virgindade, e derramaram sobre ela a sua impudicícia” (v. 8).
O apóstolo Paulo adverte: “Mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar do que abrasar-se” (1Cor 7:9). A relação sexual pertence legítima e exclusivamente ao casamento – fora dele, é fornicação. Assim Deus quis e quer.
O próprio Cântico dos Cânticos vem celebrar a pureza pré-nupcial. O livro transpira sensualidade, é verdade; mas é elegante e poético – não vulgar. O sábio autor ou compilador não ignora ou condena os anseios sexuais; ele é, antes, realista e honesto a respeito deles. Porém, se o discurso afirma resolutamente a propriedade desses anseios, ao mesmo tempo reivindica-os – tome-se boa nota disso – para o campo da santidade.
Há estudiosos que sustentam que o Cântico é simplesmente um poema do amor erótico, esgotando-se como celebração das delícias da dimensão sensual do amor. Ariel Bloch e Chana Bloch produziram uma tradução do Cântico, do Hebraico para o Inglês, que é amplamente celebrada como a melhor de todas. Faremos diversas referências a essa tradução neste estudo. Mas o que importa agora é que esses autores defendem, como outros, que o Cântico trata tão somente do amor sexual, erótico, sem quaisquer outras preocupações – morais, sociais e espirituais. Para eles, o Cântico é um poema sobre o despertamento sexual de uma garota e um rapaz solteiros, que realizam seus desejos secretamente.[2] O que prevalece na obra – creem eles – é a consumação sexual, não o anseio por ela.
Porém, ao verem o Cântico como um poema de amor erótico e nada mais – castidade, virgindade, sexo marital –, Bloch e Bloch fazem pouco da lei de Israel, rigorosa a respeito da virgindade antes do casamento. Primeiro, eles dizem acertadamente: “Mas o sexo é sancionado somente no casamento. Sobre este ponto, as leis do Antigo Testamento são inequívocas. Fora do cercado do casamento há somente crimes e punições, catalogados em exaustivos detalhes. Uma jovem era presumida ser virgem quando se casasse.”[3] Porém, eles afirmam que, “decerto, as leis não nos constam como as pessoas realmente se comportavam”.[4] Nesse sentido, eles acrescentam: “É possível que a relação sem constrangimento entre os jovens amantes no Cântico não seja tão remota da vida diária no antigo Israel como se poderia pensar. As leis bíblicas, afinal, são prescritivas e não refletem necessariamente a realidade.”[5] O Cântico, em sua “desavergonhada celebração do amor erótico”, como sustentam Bloch e Bloch, fala de uma moça solteira que não tinha outro motivo a não ser o prazer mesmo.[6]
A pergunta que precisa ser feita: seria como um poema do amor livre, que reflete um comportamento socialmente aceito, mas frontalmente contrário à lei, que o Cântico achou seu lugar no cânon?
Jovens solteiros podiam ter lá suas intimidades sexuais secretamente. Mas é improvável que isso fosse tolerado, se sabido publicamente. É difícil imaginar que houvesse frouxidão na aplicação da lei, que tratava a cópula antes do casamente como “loucura em Israel”, de modo que a ordem é: “…tirarás o mal do meio de ti.” Assim, pergunte-se mais uma vez: como poderia um poema sobre dois jovens solteiros que têm relações sexuais livres, ser admitido no cânon, atropelando a lei que pertence ao mesmo?
No Cântico, o rapaz declara sobre a sua amada: “Jardim fechado és tu, irmã minha, esposa minha, manancial fechado, fonte selada” (4:12). Em vez de ver aqui o moço declarando que a sua amada resiste em lhe entregar a sua virgindade antes do tempo próprio, Bloch e Bloch adotam a ideia que parece menos natural e provável, que “o jardim é inacessível a quem quer que seja, exceto o seu amado…”[7] Para tanto, eles apelam para cenas de consumação sexual do casal. De nossa parte, cremos que cenas conjugais que entremeiam o poema, pertencem a pequenas canções que integram a compilação. Estamos menos dispostos que Bloch e Bloch a enfatizar demais a unidade do Cântico.
Além de tudo, quando Bloch e Bloch afirmam que a donzela do Cântico alerta as suas amigas para que não despertem o amor erótico delas mesmas prematuramente, antes do tempo certo, o que seria o tempo certo? Segundo Bloch e Bloch, o tempo apropriado para o despertamento erótico é a maturidade sexual, que vem com a adolescência. Porventura o conselho da protagonista do Cântico é esse, que as “filhas de Jerusalém” não deviam despertar a sexualidade delas prematuramente, isto é, antes de passar pela puberdade? Elas não haviam chegado à adolescência ainda? Não faria mais sentido que o conselho contundente fosse para quer as moças cuidassem para que a sua capacidade sexual não fosse incitada antes delas alcançarem um certo marco? E não faz mais sentido que tal marco seja o casamento? Será que o poema realmente fala apenas da sexualidade ativa de um jovem casal, em sua solteirice, nada tendo a dizer sobre casamento?
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[1] Tradução minha.
[2] The Song of Songs: The World’s First Great Love Poem. New York: Modern Library, 2006. p. 3, tradução minha.
[3] Ibid., p. 12, tradução minha.
[4] Ibid.
[5] Ibid., p. 14.
[6] Ibid.
[7] Ibid., p. 176.