Horatio G. Spafford, um advogado distinto e próspero, e sua mulher, Anna – cristãos dedicados, piedosos e generosos – sofreram um desastre financeiro, causado pelo Grande Incêndio de Chicago, em 1871. Horatio tinha investido pesadamente em terras, antecipando-se ao crescimento da cidade. Mas o investimento fracassou, por causa do catastrófico incêndio. A saúde de Anna se deteriorou, de forma que, tomando o conselho do médico que cuidava dela, a família decidiu fazer uma viagem à Europa.
Entretanto, justamente antes de eles deixarem Chicago, um homem fez uma oferta para comprar parte das terras nas quais Horatio tinha investido. A venda o aliviaria de quase todo o seu endividamento, causado pelo fracasso do investimento. Mas o casal decidiu que a viagem não seria adiada. Anna, suas quatro filhas e a governante francesa, senhorita Nicolet, seguiriam como planejado. Horatio se juntaria a elas mais tarde, na França. As pequenas meninas eram Annie, Margaret Lee (Maggie), Elizabeth (Bessie) e Tanetta.
Mas antes que o navio Ville du Havre partisse, Horatio recebeu um telegrama com a notícia desconcertante da morte súbita do homem interessado em comprar parte de sua propriedade. Anna estava tão frágil – e havia a tensão adicional da iminência de sua primeira viagem sem o marido – que Horatio pôs o telegrama no bolso, não contando nada sobre a má notícia, de modo a não deprimi-la ainda mais.
Quatro pastores franceses estavam retornando ao seu país no mesmo navio: Reverendos Lorriaux, Weiss, Blanc e Cook. Horatio pediu ao Rev. Lorriaux para cuidar de sua família. A senhora Goodwin, uma querida amiga de Anna, juntou-se ao grupo com os seus três filhos – Goertner, Julia e Lulu. Anna também levou consigo Willie Culver, filho de outros amigos, que visitaria seus avós na Alemanha.
Aconteceu que, por volta das duas horas da madrugada de 22 de novembro de 1873, um veleiro de ferro, o Lochearn colidiu com o Ville du Havre. Anna, carregando Tanetta, que tinha mais de dois anos naquele tempo, correu no convés como a senhorita Nicolet e as outras três meninas. O reverendo Lorriaux juntou-se a elas. “Tanetta era pesada e Annie pôs o seu ombro sob o cotovelo da mãe, para ajudar a levantar o peso dela.” Que menina amável! Uma pequena serva. Então o reverendo Weiss uniu-se ao grupo.
A senhora Goodwin, seus filhos e Willie Culver não puderam alcançar o convés. Maggie, segurando a mão do Rev. Weiss, olhou para o seu rosto e lhe pediu para orar. Suas irmãs pediram o mesmo à sua mãe e ao Rev. Lorriaux. Eles oraram pela compaixão de Deus. O Rev. Weiss, que sobreviveu, contou posteriormente, em seu livro sobre a tragédia, que a pequena menina, que estava muito assustada e agitada inicialmente, exclamou: “Oh! Tudo está bem agora.” Ela estava agora “calma, resoluta.”
Annie urgiu com Maggie e sua mãe, a quem ela estava ainda ajudando a sustentar Tanetta, a não ficarem com medo, mas a ficarem confiantes no cuidado de Deus. O grupo afundou junto. O Ville du Havre afundou apenas doze minutos após a colisão. A senhorita Nicolet e as quatro meninas Spafford pereceram. Anna e os quatro pastores foram resgatados, com outros sobreviventes, pelos marinheiros do Lochearn.
O pastor Lorriaux não sabia nadar, mas se agarrou a destroços do navio. Anna “tinha rolado para cima e para baixo e, quando ela veio inconsciente à superfície, uma prancha flutuou sob ela, salvando a sua vida.” Estimou-se que ela permaneceu no mar por uma hora.
Ela soube que duas de suas meninas se agarraram às roupas de um homem americano, um bom nadador, que esperava salvá-las. Mas a menor desapareceu e quando ele estava alcançando um barco, a outra afundou também. Uma menina de nove anos que, agarrada a um pedaço de madeira, gritava insistentemente que não queria se afogar, foi a única criança salva. Por volta das quatro horas da manhã, aproximadamente duas horas após o naufrágio, mais nenhum sobrevivente foi encontrado. Duzentas e vinte e seis vidas perdidas.
Três dias após o naufrágio, mas desconhecedor dele, Horatio escreveu uma carta a Anna, na qual ele disse: “Se o Senhor nos guardar, esperamos estar todos juntos novamente, antes que se passem muitos meses, entendendo melhor que nunca a grandeza de Sua misericórdia nos muitos anos do passado.” Então ele mencionou as suas filhas:
Quando você escrever, conte-me tudo sobre as crianças. Quão grato eu sou a Deus por elas! Possa Ele nos fazer pais fiéis, tendo os olhos apenas em Sua glória. Annie e Maggie e Bessie e Tanetta – é uma doce consolação até mesmo escrever seus nomes. Possa o querido Senhor guardar e sustentar vocês.
Anna recebeu a carta semanas mais tarde, na França.
Aproximadamente uma semana depois de escrever a carta, Horatio recebeu a primeira notícia sobre a sua família. De acordo com Bertha, o telegrama de sua mãe, do País de Gales, para o seu pai consistia de duas palavras: “Salva sozinha.” Porém, de acordo com o telegrama conservado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América, a mensagem inteira é como se segue: “Salva sozinha o que devo fazer. A senhora Mrs Goodwin filhos Willie Culver perdidos irei com Lorriaux até que o retorno responda”.
Horatio viajou para encontrar a sua mulher, acompanhado com o Sr. Goodwin, que tinha perdido sua esposa e filhos. Em um dado momento, o capitão os chamou à sua cabine privativa e lhes falou de sua crença que eles estavam passando pelo lugar do naufrágio. Horatio declarou naquele momento: “Está tudo bem com a minha alma.” Ele foi para o seu camarote e escreveu o hino muitíssimo apreciado em todo o mundo, “A Minha Alma Está Bem” [“Sou Feliz”, como diz o título do hino adotado em português]. Ele começa assim, em uma tradução nossa, para preservar a referência ao mar da tragédia:
Se paz, como um rio, frequenta o meu viver
Ou dores como ondas do mar,
Não importa o que for, por ti eu posso dizer,
Minha alma está bem, está bem.
Mas esta estrofe da versão portuguesa é preciosa:
A vinda eu anseio do meu Salvador
Em breve virá me levar
Ao céu, onde vou para sempre morar
Com os remidos na luz do Senhor.
Como pode haver uma força espiritual assim? A resposta é justamente a promessa apocalíptica ou escatológica da ressurreição para a eternidade. O autor da carta aos Hebreus fala de termos “a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta; a qual temos como âncora da alma segura e firme” (6:18–19). “Ora, vem, Senhor Jesus!” (Apocalipse 22:20).
A família Sppaford tinha acolhido em sua casa a senhora Sims, que disse certa vez a Anna: “Você tem um marido esplêndido, amável, crianças saudáveis, um belo lar. É fácil ser grata e boa quando você tem tudo que você deseja. Mas cuide que você não seja apenas uma amiga de bons tempos de Deus!” Pois um dos primeiros pensamentos que ocorreram a Anna, quando ela tinha sido resgatada do mar, após o naufrágio, foi o que a senhora Sims lhe dissera. Ela pensou, então: “Eu não serei apenas uma amiga de bons tempos de Deus.” Como a senhora Sims falou, assim Anna fez. Como Jó, assim Anna fez, amando a Deus e colocando o diabo em seu desprezível lugar. O sofrimento do crente tem essa sublime dimensão a mais.
Nos fim das contas, a verdade é que “a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Filipenses 3:20).